
Texto baseado numa experiência pessoal.
Depois de 7 dias em retiro de meditação, retorno ao mundo de compromissos e muito trabalho. Este foi meu quarto retiro de meditação, e o segundo mais longo. E a cada retiro que faço, levo comigo experiências e aprendizados novos. Esse em especial foi num templo que tenho muito carinho e boas lembranças de quando vim à Tailândia pela primeira vez em 2012, no templo Doi Suthep, que fica ao topo de uma montanha próxima à Chiang Mai – cartão postal e destino de turismo de vários turistas que todos os anos visitam a cidade.
Mas, longe da muvuca de turistas, o centro de meditação fica à dentro de uma floresta, um lugar tranquilo e fora do padrão de conforto para muitas pessoas. Com camas de colchão duro, poeira, sujeira e animais e insetos peçonhentos.
Durante o retiro, é necessário seguir algumas regras como:
- Abster-se de matar seres vivos (o que inclui insetos e animas peçonhentos)
- Abster-se de roubar
- Abster-se de relações sexuais ou românticas
- Abster-se de discurso negativo
- Abster-se de tóxicos como drogas, cigarro e bebidas alcoólicas
- Abster-se de alimentos sólidos após o meio-dia
- Abster-se de diversão e embelezamento
- Abster-se de assentos e camas luxuosos
Além dessas regras, é restritamente proibido:
- Praticar qualquer atividade física como corridas, ginásticas, Yoga, TaiChi, etc.
- Trocar conversas com outros meditadores. O silêncio é extremamente necessário para o período de retiro.
- Ler, escrever, escutar música, se comunicar com o mundo exterior através de e-mail, redes sociais, telefone…
- Uso de celular, tablet e qualquer equipamento eletrônico de comunicação não é permitido.
Dentre essas listas de abstenções e restrições, já se pode ter uma ideia do padrão de conforto e experiência que um meditador em retiro experiencia. Ao abrir a porta do meu quarto, me deparei com uma cama com um lençol sujo, dois cobertores com pó e um travesseiro mofado. Minha primeira responsabilidade foi cuidar do canto que me acolheria todas as noite depois de longas horas de meditação. Deixei os cobertores e o travesseiro ao sol, pois o calor mata qualquer fungo, e resolvi varrer o chão. A cada vassourada, via sair uma quantidade tremenda de pó e sujeira pela porta — acredito que aquele quarto não recebia qualquer meditador durante muito tempo, ou o meditador antes de mim, não era muito cuidadoso. Vale ressaltar que qualquer retiro de meditação no templo, é conduzido por doação, e como parte do processo de cada um, a higiene dos quartos e dos banheiros depende apenas dos meditadores que frequentam o retiro, e não depende dos monges ou das pessoas que trabalham voluntariamente por lá.
Como sou veterana em retiros, fui preparada. Tendo com um jogo de lençol limpo, e uma toalha grossa para envolver o travesseiro em caso dele estar mofado, toda aquela situação para mim não teria qualquer efeito emocional.
Mas ao abrir a porta do banheiro, fui deparada com uma quantidade imensurável de formigas, e teias de aranha. Que tenho pavor! Além de muito mofo, afinal, estava no meio de uma floresta.
Tive que aprender a compartilhar meus banhos e minhas idas ao banheiro com as milhares de formiguinhas e formigões que faziam carreirinha umas atrás das outras, e as várias teias de aranha, as quais as donas aranhas esperavam ansiosas por presas para se alimentar. Eu tenho pânico de aranhas, mas seguindo as regras de abstenção, não tive escolha. Aprendi a conviver com os insetos. E pelo incrível que pareça, tudo fluiu muito bem e harmoniosamente. “Cada um no seu quadrado”.

Mas o pior não aconteceu comigo, e sim com uma meditadora italiana que havia recém chegado quando eu já estava no meu terceiro dia de meditação. Sem falar qualquer palavra em inglês, ela me viu passar e com um olhar de pânico me parou pedindo ajuda. Ela então começou a falar baixinho, num inglês frouxo pediu desculpas por interromper meu silêncio, mas pediu por ajuda porque estava desesperada. Disse não falar inglês, e perguntou se eu falava espanhol. Disse à ela que eu era brasileira, e que poderia entendê-la. Com um sorriso de alívio, puxou pela minha mão e me levou até seu quarto. Junto de mim, veio uma outra meditadora, japonesa, que observava a gravidade da conversa. Fomos as três até o quarto, e num gesto trêmulo ela apontava para o travesseiro, e dizia em espanhol: tem algo no meu travesseiro. Quando cheguei perto, vi algo pequeno se mexer. Eu e a japonesa ficamos com medo, mas pegamos o travesseiro e levamos para fora do quarto, e devagar começamos a puxar a fronha. Num leve chacoalhar, um rato saia do travesseiro caindo no chão assustado. Demos as três um grito, que deve ter incomodado muitos que estavam meditando. Em prantos a italiana abraçava a mim e a japonesa e agradecia por tê-la ajudado. Aconselhei não usar o travesseiro, e deixá-lo para fora tomando sol e sereno. Provavelmente o rato estaria preso ali à algum tempo, e poderia ter urinado e feito suas fezes… algo que poderia causar danos à saúde dela e qualquer outro meditador.
Outras situação bastante desafiadora, é a alimentação. São ofertadas duas refeições diárias vegetarianas. Uma às 7am e outra às 11am. Pois após o meio-dia, não é permitido o consumo de qualquer alimento sólido ou “nutritivo” como leite. Esta prática é conduzida também por todos os monges tailandeses da linhagem Theravada. E como os monges, seguimos na prática.
O café da manhã às 7.00 não é nada parecido com um café da manhã que muitos ocidentais estão acostumados, com pães, cereais, frutas e afins. O café da manhã no templo, para mim, pode ser considerado um almoço: servido de arroz e legumes; Alguns dias, sopa com noodles (um tipo de macarrão feito de arroz) ou arroz frito. E no almoço, às 11.00, a mesma coisa, mas com mais variedade de pratos – até porque precisa-se aguentar firme até as 7.00 da manhã do dia seguinte.
E pra lidar com a fome durante a tarde e a noite? Água, muita água… Alguns preferem seguir com sucos ou chás bem açucarados, que seguram as pontas durante os picos de fome. Eu preferi seguir só com a água, até porque percebi a necessidade da dieta durante minhas meditações.
Com todas essas regras, precariedades, e alimentação restrita e não muito prazerosa ao paladar de alguns estrangeiros, vi um casal pedir para sair do retiro logo no segundo dia. A garota fazia caras feias para a refeição; o rapaz não meditava, ele dormia… E no segundo dia, pediram permissão ao monge para deixar o templo. Não é aconselhável deixar o retiro antes do tempo proposto, pois faz parte do processo todas essas vivências.
Entendo que o mundo exterior nos afeta apenas porque deixamos ser afetados, se estamos em atenção plena (mindfulness) e conscientes de nossas limitações, estamos livre do sofrimento. Sei que é fácil dizer, mas colocar em prática é muito difícil. Algo muito distante para alguns e complicadíssimos para os outros. Porém, acredito que para encontrar essa harmonia, somente através da meditação, e qual infelizmente o casal não se permitiu se dar esta oportunidade, e acabaram deixando o templo e a chance deles para uma outra hora, ou outro lugar.
As atividades no templo são bastante puxadas, iniciando o dia às 5.30am com Dhamma talk. Onde durante 60 min, o monge passa os ensinamentos de Buda, algo engrandecedor e necessário para àquele que busca a verdade e a cura dentro de si.
Às 7.00am, nosso café da manhã, e até o almoço às 11.00am, temos tempo livre para meditação. Aqui entra algo importante para quem quer realmente aprender a meditar: autodeterminação e dedicação. Com o dia iniciando logo as 5.00 da manhã, a vontade é de voltar para o quarto e dormir. Alguns fazem isso, e confesso que quase fiz a mesma coisa. Mas quando a culpa bateu na mente, segui para a sala de meditação. Compartilhar a sala de meditação com outras pessoas motiva a seguir no propósito. Parece que um puxa o outro, algo que para mim é muito importante.
Depois do almoço às 11.00am, temos tempo livre para meditar até as 18.00 – quando há mais um encontro com o monge para recitarmos os mantras budistas, onde passamos 45 minutos recitando mantra atrás de mantra, e ao final, um pequeno discurso de 15min, onde o monge acrescenta conhecimentos que foram ensinados pela manhã.
E por fim, das 19.00 às 21.00 temos mais um tempo livre para meditação, pois às 21.00 é hora de estarmos prontos para dormir – para conseguirmos ter oito horas diárias de sono até o dia seguinte, despertando às 5.00 da manhã.
Dentro destes tempos disponibilizados para meditação, consegui seguir com práticas de 6-7 horas diárias. Gostaria de poder alcançar mais, mas meu corpo não suportou. Há outro processo que acredito ser o que mais pega para os meditadores, as dores e incômodos no corpo. Que sempre aparecem em diferentes lugares, como nas costas, nos joelhos, nos tornozelos, nos ombros, nos pés e assim por diante…
Não é aconselhável usar qualquer tipo de medicina ou cura energética como Reiki para controlar as dores. Mais uma vez, essas dores fazem parte do processo de meditação. De acordo com o monge, as dores quando aparentes no plano físico, simbolizam a limpeza energética. O sistema nervoso do corpo está conectado com a mente, e quando começamos a navegar profundamente sobre e para dentro dela, as dores aparecem. Mas não devemos ser intimidados pela dor, ajusta-se a postura, encontra-se uma saída e continua a meditação.
Durante a meditação, você passa a ser consciente da carga de emoções e sentimentos que vive todos os dias, e da quantidade de pensamentos que navegam pela mente a todo instante…
Pelas explicações do monge, em apenas um dia uma pessoa pode pensar em 6.000 histórias e experienciar 300.000 sentimentos. E não suficiente, essa pessoa pode dar poder à essas histórias e sentimentos. E parte deles são negativos. Ao empoderar histórias e sentimentos negativos, eles se transformam em toxinas, que são distribuídas em suas células, levando seu corpo à adoecer. Concluindo, uma mente intoxicada por sentimentos negativos, leva o corpo ao adoecimento. Combater essa “doença”, por assim dizer, é possível através da meditação. Onde você passa apenas a observar essas histórias e sentimentos, e não mais se apegar ou dar poder à elas.
Baseada na minha própria experiência, estar em retiro de meditação é estar única e exclusivamente consigo mesmo. E quando digo consigo mesmo, é encontrar a sua fonte de vida, aquilo que lhe move. É perceber a quantidade de pensamentos e sentimentos que passam pela sua mente num período de 5, 10, 15… minutos, identificar a qualidade desses pensamentos e aprender a desapegá-los. Durante a meditação, você passa a ser um mero espectador da sua própria história. E ao sair de cena para apenas observar, é libertador! Pois ali, não há sofrimento.
Alcançar este estágio está ainda muito distante para mim. Dentre as 6-7 horas de meditação diárias, nesses 7 dias de retiro, tive apenas alguns minutos de conexão comigo mesma, livre de pensamentos ou sentimentos… apenas eu mesma. Poder tocar e sentir minha fonte de vida, foi algo engrandecedor. Algo que eu havia experienciado há alguns anos atrás quando comecei a meditar, mas que por uma série de razões, deixei de lado a meditação e junto, eu mesma.
Depois de anos de nebulosidade e escuridão, meu caminho passa a se iluminar novamente. Com uma luz ainda pouco tímida, mas que com as práticas diárias de meditação, acredito que voltará a brilhar e trazer sentido à minha vida.
Sathu Sathu Sathu
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Texto por Bárbara Santos, especialista em cultura e tradição tailandesa. Mestre em Filosofia e Religião pela Assumption University, Bangkok, residente na Tailândia desde 2014.
Que alegria ler suas postagens !
Eu e meu marido e minha filha de 6 anos estamos querendo mudar para Tailandia em fev 2020, mas tenho muitas dúvidas por conta da minha filha.
Vimos varias lugares, sul , norte e outros e pelo nosso perfil achamos que Chiang Mai seria uma boa opção por conta da vida mais tranquila e mais afastada .
Mas quero que minha filha tenha uma boa educação e que estude em um colégio britânico o que você me diz ? Me orienta alguma boa escola? Sabe se tem validade depois no Brasil ou outros países caso mudamos ?
A segurança do local como é ?
Queremos ir com visto educacional e estudarmos tailandês , indica alguma escola em Chiang Mai ?
Que bom poder falar com você
Se puder nos ajudar ficarei muito agradecida bjs
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Bárbaro o seu relato, me imaginei lá no retiro, busco uma lição que me direcione para o meu auto desenvolvimento, e tenho pesquisado retiros no Brasil, mas algo me chama para a Tailândia, espero muito breve realizar o meu retiro, gratidão por compartilhar a sua existência.
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Ola! Adorei seu texto! Gostaria de indicação de escolas onde possa fazer o curso de meditação na Tailandia! Estou indo dia02/02 pra la e gostaria de ter esta experiencia!
Te agradeco muito!
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