
Tradicionalmente, quando um homem tailandês, de pais Budistas, atingir os 20 anos de idade, deverá ele, se possível, tornar-se monge por um determinado tempo.
Ainda que a Tailândia seja um país sem religião oficial, 94% da população se considera budista. E dentre essa população, a grande maioria segue fielmente as tradições de um país construído sobre os valores do Budismo.
Neste contexto, seguindo as tradições budistas-tailandesas, e menciono “tailandesas” pois é uma tradição única e singular da Tailândia, todo filho (homem), mais velho, deve se abdicar de sua vida social, por um determinado tempo, para se tornar monge. Essa tradição só é possível porque no Budismo Tailandês (já expliquei AQUI a particularidade do Budismo praticado na Tailândia), os monges não fazem voto para a vida, os votos são válidos enquanto houver a intenção de ser monge. Ou seja, aquele que é monge, poderá, a qualquer momento, deixar sua vida monástica e voltar à vida civil.
Mas a grande pergunta é “por quê razão os homens tailandeses têm o dever de se tornarem monges”?
Há diversas razões para tal tradição, as quais listarei duas abaixo. Mas para entender a essência desta peculiaridade Thai, é preciso entender que de acordo com a crença popular, tornar-se um noviço ou monge budista, é o maior mérito que um indivíduo pode ter, e este mérito é também passado àquele que patrocinar sua transição da vida social para monástica: ou seja, os pais. No caso de uma pessoa sem filhos, mas que também deseja receber tais méritos, poderá ele ou ela, patrocinar um candidato à ordenação, desde que não seja um membro da família.
Razão I: Méritos aos pais
Segundo entendimento do Budismo Tailandês, após a morte, a alma do indivíduo pode seguir para o céu ou para o inferno. No caso de uma família, uma das formas de garantir que a alma dos pais (pai e mãe) alcancem os céus, é o filho se tornar monge. Se na família há mais de um menino, o dever de tornar-se monge é colocado apenas ao filho mais velho. O filho mais novo não tem dever para com os pais, mas tem para consigo mesmo.
De acordo com a crença popular, ao tornar-se noviço, o filho ajudará sua mãe a não ter uma vida infeliz em sua próxima incarnação; e ao tornar-se monge, ajudará seu pai e mãe. Portanto, a grande maioria dos pais tailandeses, praticantes do budismo, desejam que ao menos um de seus filhos se torne monge. E para tal, a idade mais apropriada é aos 20 anos de idade, quando o rapaz atinge a maioridade e é responsável por todos os seus atos e ações (na Tailândia a maioridade é aos 20 anos). Além disso, é necessário que o filho seja solteiro, caso contrário, os méritos passarão para sua esposa, e não aos seus pais. Em caso do rapaz já ser casado, o mesmo deverá solicitar a permissão de sua esposa para se ausentar durante o período monástico.
Para um rapaz se tornar monge, ele deve estar livre de qualquer dívida ou obrigações. Tradicionalmente, o rapaz daria entrada na vida monástica durante as monções, que dura em média 3 meses. Porém, devido à modernização da Tailândia, o tempo que o rapaz permanecerá como monge é de livre escolha. Na Tailândia há uma lei que diz que todos os homens poderão ter licença remunerada de 2 semanas enquanto forem monges. Portanto, muitos optam por permanecer na vida monástica por este período.
Razão II: Valores Morais
Tornar-se monge é o maior mérito que um homem pode atingir em vida, e o maior mérito a proporcionar aos seus pais. Mas além disso, durante sua temporada monástica, o rapaz aprenderá sobre os valores do Budismo, que são fundamentais na tradição budista-tailandesa para torná-lo maduro para a vida social.
Ele será educado sobre as três jóias do Budismo, que carregam os pilares dos valores morais da sociedade tailandesa:
Buda + Dhamma (conhecimento) + Sangha (comunidade)

Além disso, aprenderá sobre os valores da filosofia budista; Viverá a máxima dos princípios budistas, de forma simples e humilde, dependendo dos donativos da comunidade para comer e viver; Praticará os 227 votos do budismo Theravada; Meditará; Praticará o Dhamma, o conhecimento sagrado; e tomará de todas as lições para sua vida.
Phya Anuman Rajadhon, antropólogo tailandês, diz que “um homem que não tenha passado pela vida monástica é considerado cru, inexperiente ou imaturo. As pessoas terão uma opinião desfavorável dele, como um homem ignorante e imperfeito, que não é filho de ‘Tathagata’, ou seja, monge”. Rajadhon ainda completa “será difícil para ele encontrar uma esposa. As pessoas decentes irão olhá-lo com desconfiança, se questionando se ele é um homem adequado para ser marido ou genro”.
A visão do antropólogo tailandês Rajadhon é baseada nas antigas tradições tailandesas. Mas ainda que seja uma visão antiquada, ela ainda permanece nos dias atuais. Famílias muito tradicionais, requerem que o futuro marido de suas filhas tenha ao menos se tornado monge. Para garantir valores familiares que são importantes para a construção de uma nova família.
Neste sentido, é muito comum que homens que planejam se casar, ou estão com o casamento agendado, se tornem antes, monges. A atitude de se tornar monge, trará méritos à ele, à família dele, e felicidade para a família de sua futura esposa. Inclusive, no dia da ordenação, é costume perguntar à família do rapaz quando será a data de casamento, pois todos sabem, e entendem, a importância de tornar-se monge antes do matrimônio.
Comentários:
Há casos de jovens menores de 20 anos, assim como crianças, que se tornam monges. Nestes casos, os mesmos poderão ser considerados como noviços, e não monges. Apenas quando atingirem a idade matura é que terão os mesmos méritos de um homem de 20 anos.
Se a família tem mais de um filho homem, e o filho mais velho da família não puder, ou não quiser se tornar monge, o filho mais jovem é o responsável por dar os méritos aos seus pais.
No Budismo Tailandês, mulheres não tem direito de se tornarem monges. Um assunto bastante crítico dentro do universo feminino, mas o qual há uma história e tradição por trás, e que poderei contar em outro post.
Não consegui uma resposta fundamentada para em caso de famílias cujas as crianças são apenas meninas. Mas de acordo com meu marido, que é tailandês, não há qualquer problema quando houverem apenas meninas na família. E assumo que, se a família desejar muito os méritos, eles poderão fazer da mesma formo como as pessoas sem filhos: patrocinar um candidato à ordenação monástica.
Referência:
“Life and Ritual in Old Siam” de Phya Anuman Rajadhon.
Texto por Barbara Santos, especialista em cultura e tradição tailandesa. Mestre em Filosofia e Religião pela Assumption University, Bangkok, residente na Tailândia desde 2014.
Obrigada, eu queria muito saber sobre esse assunto.
Fiz um post na minha página, muitas pessoas queriam saber sobre esse assunto.
Gratidão 🙏
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Que bom! Fico feliz em contribuir!
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Boa noite. Sou professor de Muay Thai aqui no Brasil. Educador Físico, fui 3 vezes aTaillandia, hoje estou estudando filosofia das Artes Marciais, mas meus estudos tem mais conteúdo do Japão e da China. Muito pouco da Tailândia. Gostaria de saber mais sobre o Budismo e filosofia das artes marciais Tailandesas.
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Obrigado por compartilhar. Sou um admirador da cultura thai, e vou seguir esse blog. Obrigado, obrigado!
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