O ano novo tailandês é chamado de Songkran (สงกรานต์), palavra originada do Sânscrito saṃkrānti, que literalmente quer dizer “passagem astrológica”, significando transformação ou mudança. Tradicionalmente, a virada do ano novo tailandês mudaria de acordo com o calendário astrológico, porém, o governo tailandês fixou os dias 13, 14 e 15 de abril como celebração oficial do Songkran. Na Tailândia, o calendário oficial é o Budista, que está a 543 anos à frente do calendário gregoriano. Portanto, neste ano de 2018 a Tailândia dá entrada ao ano de 2561.
Em muitos artigos que escrevo sobre a cultura e tradição tailandesa, abordo a forte influência que a Tailândia recebeu da Índia, incluindo a religião, costumes, e até mesmo a astrologia, lendas e contos mitológicos. Portanto, para entender o ano novo tailandês, é necessário resgatar as heranças que a Tailândia herdou da Índia.
O Songkran é tradicionalmente computado de acordo com o método Suriyayart (สุริยยาตร์), a versão tailandesa do Surya Siddhanta (da Índia). A celebração do ano novo se inicia quando o Sol entra em Áries – de acordo com o sistema de zodíaco sideral, que é chamado em tailandês de Manha Songrkan (วันมหาสงกรานต์). Como existe um período em que o Sol permanece em Áries, a celebração do ano novo acontece durante o período em que o Sol se encontra em Áries (este é motivo o qual o ano novo tailandês é celebrado em três dias – 13, 14, 15 de abril).
O dia que o Sol sai de Áries é chamado de Wan Thaloengsok (วันเถลิงศก).
De acordo com cálculos astrológicos, a entrada do ano tailandês neste 2018, daria-se entre dias 14 – 16 de abril (iniciando no dia 14/04 às 09:01:48 e terminando no dia 16/04 às 12:59:24).
A celebração do Songkran
A celebração do Songkran é a época mais importante da Tailândia, é tempo de estar com a família, e prestar respeito aos ancestrais. A importância do feriado nacional pode ser comparado ao Natal do Brasil por exemplo, onde toda a família se reúne.
Pela tradição tailandesa, cada um dos dias é destinado para um certo tipo de celebração ou merit-making (prestar mérito):
Dia 13 – Dia de lembrar e prestar respeito aos mais idosos e aos ancestrais da família
Dia 14 – Dia de compartilhar e celebrar a família
Dia 15 – Dia de festa e celebração do ano novo!
O Songkran também é conhecido como o Festival das Águas, pela forma como o ano novo é celebrado entre os tailandeses – com muita bagunça e abundância de água. A água é utilizada por diversas razões:
Uma delas porque abril é o mês mais quente da Tailândia, o que portanto, espirrar jatos de água uns aos outros refresca e alivia o calor excessivo da época mais quente.
Por muitos anos a Tailândia foi (ou continua sendo) um país cuja a economia era/é movida pela plantação de arroz, o que exige grande quantidade de água. E abril dá-se início às monções, trazendo abundância para a agricultura local. Portanto, celebrar a entrada do ano novo com água, sem dúvida é auspiciosos e uma excelente forma de celebração.
No Budismo Tailandês, a água é usada para diversas cerimônias tradicionais tailandesas, como casamentos e funerais. A razão a qual a água é usada para cerimônias budistas é porque os tailandeses acreditam que a água, sendo pura, é capaz de lavar qualquer tipo de maldade, azar ou infelicidade, e trazer boa sorte e felicidade.
Cada família celebra a entrada do ano novo de uma forma, mas geralmente durante os dois primeiros dias (13 e 14), as pessoas costumam derramar água em imagens de Buda, que simboliza limpeza e renovação. Seguido da prestação de respeito aos familiares, onde os mais jovens derramam água nas mãos dos mais velhos, desejando vida longa e felicidade. E então os mais velhos abençoam os mais jovens desejando saúde e prosperidade.
O dia 15 é dia de festa! Dia de celebrar com água! Todos saem nas ruas com baldes e arminhas d’água, celebrando o ano novo com guerrinhas de água! Em 2011, a cidade de Chiang Mai – norte da Tailândia, bateu o recorde mundial de guerra de água!
A origem por trás da celebração do Songkran gira em torno da lenda mitológica tailandesa Nang Songkran, que conta sobre as Sete Damas de Songkran. As quais, para proteger o mundo de um possível desastre, a cada 365 dias (ou um ano), uma das sete damas sai em procissão ao redor do Monte Meru (conhecido pela mitologia tailandesa, e indiana, como o centro do mundo).
Lenda das Sete Damas de Songkran (Nang Songkran).
A estória conta sobre uma aposta entre um deus e um menino de 7 anos de idade.
Certo dia, Kabila Phrom, um deus que gostava de apostas (também conhecido por Brahmā), soube que um menino de 7 anos de idade, chamado Thammabal Kumara, era capaz de recitar escrituras antigas e sagradas em público. Sabendo sobre os dotes do menino prodígio, o deus Kaliba Phrom resolveu testar o conhecimento do pequeno garoto. Ele desceu à terra e lançou três enigmas para o menino desvendar:
Aonde está a aura do humano pela manhã? Pela tarde? E pela noite?
Se Thammabal Kumara acertasse, o deus, Kaliba Phrom, lhe daria sua própria cabeça; Mas se dentro de sete dias o garoto não lhe desse as respostas, ou as errasse, ele tomaria a cabeça do garoto para si.
Durante seis dias o menino ponderou sobre as possíveis respostas, mas sem encontrar qualquer solução para o enigma. Enquanto deitava sob as palmeiras, ouviu uma águia macho e fêmea conversando alegremente sobre como eles se deliciariam, no dia seguinte, com a morte do garoto que não sabia a resposta para o enigma do deus Kabila Phrom. Durante a conversa, a águia fêmea perguntou ao macho as perguntas e respostas do enigma, o qual puderam ser compreendidas pelo garoto Thammabal Kumara.
Tendo compreendido o enigma, o menino saiu correndo para de encontro com Kabila Phrom, e lhe deu as seguintes respostas:
Pela manhã, a aura do humano está na face, por isso o humano lava o rosto pela manhã.
À tarde, a aura do humano está no peito, por isso o humano espirra perfume no peito.
À noite, a aura do humano está nos pés, por isso o humano lava os pés antes de dormir.
O menino lhe deu as respostas corretas, e então, Kaliba cortou sua própria cabeça. Porém, a cabeça do deus Kaliba Phrom tinha super poderes. Ae a cabeça tocasse a terra, o solo seria tomado por fogo; se fosse exposta ao ar livre, não haveria chuva; e se caísse sobre a água, o oceano secaria.
Para salver o mundo desses possíveis desastres, as sete filhas do deus Kaliba Phrom, ou Nang Songkran, puseram a cabeça de seu pai numa phan (พาน) (bandeja com pedestal) e a carregaram em procissão ao redor do Monte Meru, antes de colocá-la numa caverna, sob o Monte Kailash, com várias oferendas. Quando completasse o ciclo de 365 dias, ou um ano, uma das sete filhas de Kaliba Phrom carregaria a cabeça de seu pai em procissão ao redor do Monte Meru, celebrando o que é conhecido por Songkran.
As Sete Damas do Festival de Songkran receberam o nome dos sete dias da semana. Todos os anos, o Songkran cai num dos sete dias. Por exemplo, neste ano de 2018, o dia 13 de abril cai numa sexta-feira, e a dama de Songkran se chama Kimitha. Portanto, o ano de Songkran passa estar sobre influência desta dama.
Conheça as Sete Damas de Songkran abaixo, e o símbolo de cada uma delas.
DOMINGO: A dama de Songkran é a Tungsa Devi. Atrás de sua orelha, ela usa flores de romã. Sua pedra é o rubi. Ela se alimenta de figo. Em sua mão direita, segura um disco e na esquerda uma concha. Seu animal de transporte é o garuda.
SEGUNDA-FEIRA: A dama de Songkran é a Korakha Devi. Atrás da orelha, ela usa flores do sombreiro indiano. Sua pedra é a pedra da lua (moonstone). Ela se alimenta de óleo. Em sua mão direita, segura uma espada e na esquerda uma bengala. Seu animal de transporte é o tigre.
TERÇA-FEIRA: A dama de Songkran é a Raksot Devi. Atrás da orelha, ela usa botões de lótus. Sua pedra é a ágata. Ela se alimenta de sangue. Em sua mão direita, segura um tridente e na esquerda um arco. Seu animal de transporte é o porco.
QUARTA-FEIRA: A dama de Songkran é a Montha Devi. Atrás da orelha, ela usa flores de magnolia champaca. Sua pedra é o olho de gato. Ela se alimenta de leite e manteiga. Em sua mão direita, segura uma caneta e na esquerda uma bengala. Seu animal de transporte é o burro.
QUINTA-FEIRA: A dama de Songkran é a Kirini Devi. Atrás da orelha, ela usa flores de magnólia. Sua pedra é a esmeralda. Ela se alimenta de nozes e sementes de gergelim. Em sua mão direita, segura um gancho e na esquerda um arco. Seu animal de transporte é o elefante.
SEXTA-FEIRA: A dama de Songkran é a Kimitha Devi. Atrás da orelha, ela usa flores de lírio da água. Sua pedra é o topázio. Ela se alimenta de bananas. Em sua mão direita, segura uma espada e na esquerda um alaúde. Seu animal de transporte é o búfalo.
SÁBADO: A dama de Songkran é a Mahothon Devi. Atrás da orelha, ela usa flores de aguapé. Sua pedra é a safira azul. Ela se alimenta de carne de veado. Em sua mão direita, segura um disco e na esquerda um tridente. Seu animal de transporte é o pavão.
A lenda das Sete Damas de Songkran coincide com um costume na Tailândia, de que para cada dia da semana há uma cor auspiciosa (leia aqui).
A celebração do Songkran – o Ano Novo Tailandês varia de acordo com as crenças de cada província tailandesa. É como a celebração do Carnaval no Brasil, o qual cada estado segue uma tradição e crença. E o mesmo acontece na Tailândia, alguns mais crentes à lenda, outros mais atentos à celebração com a família, e outros à festa com muita água que traz abundância e prosperidade.
A todos os leituras! Sawasdee Pi Mai Ka! (Feliz Ano Novo!)
Texto baseado em pesquisas acadêmicas.
Links visitados pela autora:
http://www.songkran.travel/songkran-history/
https://en.wikipedia.org/wiki/Songkran_(Thailand)#cite_ref-37
http://songkranfestivalinthailand.blogspot.com.au/p/legendary-of-songkran-lady-nang.html
https://www.thaiwaysmagazine.com/thai_article/2101_songkran_festival/songkran_festival.html
http://www.puretravel.com/Guide/The_Seven_Wonders_according_to_PureTravel/Seven_Wonders;_Festivals_Worldwide/Songkran_Water_Festival
Texto por Barbara Santos, especialista em cultura e tradição tailandesa, Mestre em Filosofia e Religião pela Assumption University, Bangkok, residente na Tailândia desde 2014.